por Sandro Moser, via Gazeta do Povo
O
Ministério Público Estadual (MP) do Paraná afirmou que vai investigar
as gratificações pagas aos deputados que ocuparam a presidência da
Assembleia Legislativa desde 1992. A assessoria do MP informou que a
Promotoria de Defesa do Patrimônio Público vai avaliar individualmente
cada caso de pagamento e, caso irregularidades sejam identificadas, vai
tomar as “providências judiciais e administrativas cabíveis”.
Desde que o benefício foi concedido já presidiram a Assembleia os
deputados Aníbal Khury (já falecido, que comandou a Casa de 1996-1999);
Orlando Pessuti (1993-1994); Hermas Brandão (2001 a 2006); Nelson Justus
(1999-2000 e 2007-2010); e Valdir Rossoni (eleito em fevereiro deste
ano).
Especialistas em direito público ouvidos pela reportagem dizem que as
sanções podem variar desde a devolução dos valores recebidos de
forma irregular até a abertura de processo de improbidade administrativa
contra Rossoni e os outros ex-presidentes. No entanto, como a prática
só se tornou ilegal a partir de uma emenda à Constituição Federal
editada em 1998, ao ex-governador Pessuti não seriam aplicáveis
punições.
Na última sexta-feira, o presidente Valdir Rossoni (PSDB) devolveu os
valores referentes às gratificações que recebera entre fevereiro e
setembro. Rossoni deve mostrar o comprovante da transferência bancária
dos R$ 160,3 mil da conta pessoal do deputado para a conta da Assembleia
na sessão plenária desta segunda-feira, quando irá expor o caso aos
demais deputados.
Muitos parlamentares não sabiam que o presidente da Assembleia tinha o
direito a receber, desde 1992, uma gratificação pelo exercício do cargo
no mesmo valor da remuneração paga aos deputados. Na prática, isso
significa que há 19 anos quem ocupa o cargo de presidente do Legislativo
paranaense recebe o salário em dobro. Atualmente, a remuneração de um
deputado estadual é de R$ 20 mil. Portanto, o atual presidente da
Assembleia, Valdir Rossoni (PSDB), recebia mensalmente R$ 40 mil. O
valor ultrapassa em quase 50% o teto máximo permitido para a remuneração
no funcionalismo público, que é de R$ 26,7 mil.
Rossoni devolveu o dinheiro após a repercussão negativa do episódio,
que veio a público após a Mesa Executiva da Assembleia tentar estender o
benefício ao primeiro e ao segundo-secretário da Casa – Plauto Miró
(DEM) e Reni Pereira (PSB), respectivamente.
Rossoni ainda na terça-feira revogou o ato sob a justificativa de que
a publicação em diário foi “equivocada”. No mesmo dia, horas depois de
declarar em entrevista à Gazeta do Povo que manteria o privilégio, o
presidente revogou também o decreto que lhe concedia o benefício. No dia
seguinte, disse que devolveria o dinheiro para não atrapalhar a medidas
de saneamento e austeridade que tem adotado no comando da Assembleia
desde que assumiu o comando da casa, em fevereiro.
Entre as medidas que adotou, destacam-se a suspensão de gratificações
irregulares, a limitação salarial de diretores e funcionários, e a
revisão dos contratos firmados pelo Legislativo, com rompimento daqueles
considerados desvantajosos.
Juristas não se entendem sobre irregularidade
Especialistas são unânimes em dizer que a gratificação paga ao
presidente da Assembleia Legislativa é irregular por ultrapassar o teto
do funcionalismo público brasileiro, de R$ 26,7 mil. Por outro lado, os
juristas não se entendem sobre a possibilidade de a própria existência
de uma gratificação ser ilegal.
Juristas como o diretor do Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos
Públicos (Igam), André Barbi, entendem que as gratificações são
inconstitucionais e que o recebimento delas pode implicar em um processo
de improbidade administrativa. O Artigo 39 da Constituição da Federal
veda qualquer gratificação a membro do poder Legislativo que não seja
um subsídio único anual. O professor da Universidade Federal do Paraná
Egon Bockman Moreira, porém, diz que apesar da determinação
constitucional, os poderes Legislativo e Executivo não implementaram o
regime de subsídio. Portanto, explica Moreira, persiste o regime
anterior em que convivem salário, gratificações e outras benesses.
“Existem gratificações que não consubstanciam o salário e que, portanto
não entram no cômputo do pagamento de férias, e 13.° salário, por
exemplo”, explica.
Este é um entendimento semelhante ao que a procuradoria da Assembleia
apresentou na terça-feira antes de Rossoni resolver extinguir a
gratificação e devolver os valores que já tinha recebido aos cofres
públicos.
Entenda o caso
Veja o histórico da gratificação paga de forma secreta na Assembleia:
1992 – O ex-presidente da Assembleia Aníbal Khury
criou, por decreto, no fim de dezembro, uma gratificação especial que
dobra o salário dos presidentes do Poder Legislativo paranaense.
1993-2011 – Desde então, cinco presidentes da
Assembleia receberam o benefício: o próprio Aníbal, Orlando Pessuti,
Hermas Brandão, Nelson Justus e Valdir Rossoni.
28 de setembro de 2011 – Rossoni assina decreto que
estende o benefício para os demais membros da Mesa Executiva da
Assembleia: atualmente, os deputados Plauto Miró (DEM) e Reni Pereira
(PSB).
11 de outubro de 2011 – Na terça-feira à tarde,
depois de o caso ter sido noticiado pela imprensa, Rossoni revoga o
decreto que estendia o benefício à Mesa Executiva.
12 de outubro de 2011 – Diante da repercussão
negativa, Rossoni decide também revogar o decreto legislativo de 1992 e
extingue o benefício do salário em dobro para o presidente da
Assembleia.
13 de outubro de 2011 – Rossoni promete devolver para os cofres da Assembleia os R$ 160 mil recebidos como gratificação nos meses fevereiro a setembro.